Albinos são alvo de mutilações e assassinatos em países africanos
Quando Josephat Torner nasceu, em um vilarejo na Tanzânia, os vizinhos
aconselharam sua mãe a matá-lo com veneno. "É um bebê albino, isso é uma
maldição, livre-se dele", disseram. A mulher se recusou.
Mais tarde, quando Josephat ia começar a estudar, a professora não
queria aceitá-lo. Tinha medo de que ele "contaminasse" os demais com
albinismo, distúrbio genético que causa falta de pigmentação na pele e
não é contagioso. Na classe, as crianças sentavam longe dele.
Aos 32 anos, casado e com dois filhos, Josephat perdeu a conta de
quantas vezes escapou da morte. Ele circula por Dar es Salaam, principal
cidade da Tanzânia, em uma caminhonete Nissan 2008 branca com vidros
pretos. Os vidros escuros o protegem da luz do sol e de tentativas de
assassinatos.
Nos últimos seis anos, pelo menos 72 albinos foram assassinados na
Tanzânia. Muitos tanzanianos acreditam que albinos tenham poderes
mágicos e que rituais de bruxaria usando partes do corpo de pessoas com
albinismo tragam sorte ou riqueza.
Alguns acreditam que os rituais são mais eficientes se a vítima grita
durante a amputação, então os braços, olhos e genitais normalmente são
extraídos de pessoas vivas. Muitos creem que os albinos não morrem, eles
simplesmente desaparecem.
Além disso, homens com HIV raptam meninas com albinismo na crença de que estuprá-las possa curar a Aids.
Segundo relatório da ONU publicado há três semanas, "um cadáver de
albino completo, incluindo braços, pernas, genitais, orelhas, língua e
nariz, custa US$ 75 mil [R$ 163 mil]" na Tanzânia.
Entre os compradores estão pescadores que usam pedaços do corpo em suas
redes para garantir uma boa pescaria, mineradores que moem os ossos de
albinos para achar riquezas, políticos que querem um amuleto para ganhar
eleições e empresários de olho na sorte grande.
A ONU diz que a Tanzânia, que tem cerca de 200 mil albinos (0,4% da
população), é o país com mais ataques. Em seguida vêm Burundi, Quênia,
República Democrática do Congo, Suazilândia, África do Sul e Moçambique.
IMPUNIDADE
Apenas cinco pessoas foram condenadas pelos 72 assassinatos de albinos na Tanzânia nos últimos seis anos.
"Há gente graúda por trás dos assassinatos, políticos que encomendam
partes de albinos para fazer rituais e tentar se eleger", diz Josephat,
que é ativista da Sociedade de Albinos da Tanzânia.
"É preciso descobrir onde está o mercado: quem encomenda os pedaços de
albinos? Enquanto não descobrirem, os crimes vão continuar."
"Há poucas condenações, porque todos esses rituais são secretos e é
muito difícil achar provas para condenar os assassinos de albinos", diz
Alshaymaa Kwegyir, primeira deputada albina da Tanzânia, nomeada pela
Presidência do país africano.
Diante da impunidade, as pessoas com albinismo na Tanzânia vivem com medo.
"Eu nunca ando sozinha à noite, só caminho por ruas movimentadas e não
falo com quem não conheço", diz Zakia Matimbwa, 37, que é albina e tem
dois filhos com albinismo. "Nós simplesmente não podemos nos movimentar
livremente como as outras pessoas", afirma.
A ONU acredita que a maioria dos ataques não é registrada por causa do medo dos familiares de vítimas.
Logo após o pico de assassinatos, em 2009, o governo cassou a licença de
todos os feiticeiros do país, que precisam dessa autorização para
atuar. Muitos praticantes de magia negra dizem ser herbalistas, médicos
tradicionais que usam remédios naturais.
Mas um ano depois, pouco antes das eleições, o governo revogou a medida,
que era muito impopular. Segundo o Pew Research Institute, cerca de 60%
dos tanzanianos acreditam em magia negra.
O governo criou nove abrigos para proteger albinos no país,
principalmente perto do lago Vitória, onde ocorre a maioria dos ataques.
Crianças com albinismo ficam internadas nesses abrigos e muitas vezes nem voltam mais para casa.
Mas especialistas são contra os abrigos, acham que os albinos precisam
ser integrados na sociedade para diminuir os preconceitos.
A albina Judica Lyamboko, 28, está aprendendo a costurar para arrumar um
emprego que não seja na agricultura, debaixo do sol o dia inteiro. Ela
só estudou até a escola primária, porque não conseguia enxergar direito,
outro problema associado ao albinismo.
O maior sonho de Judica é se casar. Mas ela acha que vai ser difícil
alguém que não tenha albinismo se apaixonar por ela. "Os pais de alguém
normal nunca permitiriam o casamento com uma albina."
FOLHA DE SÃO PAULO.
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
Bolsista do International Reporting Project da Johns Hopkins University.
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